quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Terminal Central II

Era um senhor de pele curtida, de pele vivida. De olhos distantes, porém expressivos. Veio praticamente do nada, quando vi, ele simplesmente estava ali.
Ele usava uma camisa com listras gastas, as mangas dobradas e um relógio parado pendendo de seu pulso, que seguia até suas mãos grossas, calejadas e sofridas. Sua calça era curta e deixava a botina surrada à mostra. Faltavam-lhe botões na camisa e em seu chapéu de palha, usava um retalho amarrado.
Não sei o que ele fazia ou procurava ali, movimentando sua boca incessante e constantemente para frente e para trás, enquanto seus solitários olhos azuis que demonstavam alguma origem nobre e imponente (talvez alemã, italiana, quem sabe ?), passavam por cada pessoa e por cada trecho do asfalto.
Aquela pessoa escarafunchava cada lixeira que encontrava. Eu, muito curiosa, tentava observá-lo sem que isso lhe despertasse qualquer dúvida. Mas ele colocava as mãos nas sujeiras alheias sem cerimônia alguma. Organizava copos e garrafas para que coubesse mais sujeira. E pegava as latas de alumínio.
Foi então que deduzi qual era a importância dele frente à orgãos públicos, secretarias e ministérios: ele "catava" latinhas para sobreviver. Para ter o que comer.
O quão absurdo era aquilo ? Um senhor de quase 80 anos enfiando as mãos em latas imundas em meio a um mundo de pessoas que sequer notavam sua presença.
Ainda assim, ele demonstrava instinto. Procurava e lutava pelo seu resto de vida simples e completamente surrada, assim como suas botinas e assim como as botinas das pessoas que lhe pisavam sem ver, como um simples e inútil organismo vivo. Um fiapo de humanidade ali, no meio da realidade e sem que ninguém o ajudasse.
Mais uma vez me senti inútil. Mais uma vez impotente. Mais uma vez envergonhada.
Fiquei por ali pensando na escória em que a sociedade se torna, na hipocrisia que ela chafurda e na desolação que ela coordena.
É de cortar os pulsos. Ou de enfiar a mão no lixo.
Enquanto perdia-me nas vergonhas dos outros, não o vi mais. O procurei até onde meus olhos alcançavam, mas assim como ele havia vindo do nada, ele havia sumido do nada e assim, para todos os outros continuava sendo nada.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Como ?

Como eu poderia não ter fechado os olhos ?
Como poderia não querer te ver, mesmo com tudo escuro ?
Como é que eu poderia não necessitar tua presença quando me faltava luz ?
Não seria possível.
Não seria possível.
Não seria possível.

Como eu poderia não ter te amado ?
Como poderia não querer-te ser, mesmo estando longe ?
Como é que eu poderia me desvencilhar de um sentimento puro quando nada mais eu tinha ?
Não é possível.
Não é possível.
Não é possível.

Como eu poderei te esquecer ?
Como poderei não lembrar de ti, mesmo ainda esperando ?
Como é que eu poderei não mais pensar em ti quando povoas meus sonhos há dias a fio ?
Não será possível.
Não será possível.
Não será possível.