quinta-feira, 29 de maio de 2008

Não deixe.

Não deixe que te façam exíguo,
até mesmo porque há quem te queira ver
com graça e a alma reluzindo.
Não deixe que te levem pra muito longe,
até mesmo porque há quem te queira ter
com proximidade e os olhos transparecendo.
Não deixe que te façam menos meu,
até mesmo porque há quem te queira ser
com pressa, completa e com o coração já teu.

Passando.

Fixados, meus pés, no chão,
não há nada que diga-me que fui feliz
não sei o que mais presta-me servidão.
Acabei chegando aqui
trazida apenas com a sorte,
vinda de tantos lugares,
não sei o que passou por mim.
Eu e minha alma, nova sensação,
vislumbres do futuro, temos
agora, tudo o que antes fora apenas ilusão.
Não sei medir o quanto ela cresceu,
poderia, talvez, pedir-te ajuda
deitar-me no regaço teu,
dar-te o que procuras,
ser o pra sempre teu.
Tantas vezes, tantas chances perdi
fui dona do ego, egoísta e senti.
Tantas vezes, tantas chances não vi,
dei-me por toda, todavia e sofri.
Procuro outra, que não seja só minha
mas do momento em si,
quero saber que encontrei sozinha
tudo o que não tive, que agora vejo em ti.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Vitamina A


Médicos nem sempre são simpáticos, mas sempre há aqueles que nem médicos parecem, apesar da roupa branca, jaleco e linguagem + escrita praticamente iguais. Eu, por exemplo, nunca gostei deles. Aliás, ficar doente já era um transtorno dos grandes e ir até um consultório não era cogitado nem em pensamentos mais remotos.
Até que um dia, comecei a sentir dificuldade para enxergar. O tempo se passou, e quando já descoberta a miopia, me mudei e precisei achar outro oftalmologista. Marquei a primeira consulta armada de confiança e indiferença, assim como faziam quando eu chegava simpática e polida.
Fui, toda cheia de mim, já na defensiva, esperando pelo pior dos Doutores. Entrei na sala dele com menos visão ainda, pois havia recebido uma dose de colírio. Esse, que era pingado homeopática e rotineiramente de 15 em 15 minutos.

Me sentei em uma das cadeiras, esperando a entrada do carrasco. Era um consultório não muito grande, com um ar condicionado gelando hermeticamente o pequeno recinto, e em cada parede um instrumento diferente para os exames: uma cadeira grande, onde eu estava, a mesa dele, ao lado de duas poltronas gordas e felpudas, uma estante com diplomas, livros, folhetos e tudo mais a respeito de olhos, e alguns visualizadores estranhos que não cabem à minha escassa sabedoria médica, ou mecânica, saber os nomes.
Abriu-se e fechou-se a porta.
Boa tarde ! Como vai a senhorita ?, disse ele, abrindo um sorriso que fazia suas grandes bochechas vermelhas cerrarem seus olhos atrás dos óculos. Tinha uns olhos grandes e azuis, e um rosto redondo, assim como seu corpo. Era uma figura simpática, assim consegui distinguir forçando um pouco minha visão parcialmente embaçada.
Ah...mas como uma mocinha bonita dessa usa óculos todo o tempo ?, perguntou ele, ajustando as lentes frente aos meus olhos. Não sei, mas há vezes em que nem os óculos resolvem meu problema, disse eu, já intimidada. Ele fez mais alguns testes, e de tão simplório e doce, por pouco não fiquei esperando um pirulito ao final da consulta.
Com o pouco de nitidez que tinha, fiquei observando ele prescrever as receitas. Pensei em como seria a vida dele, se tinha filhos e se eles seriam todos redondinhos e com grandes olhos azuis como ele, se a esposa o esperava com pãezinhos dourados e redondos, que combinavam com suas bochechas...E por um momento, idealizei uma vida alegre, colorida, cálida e redonda. Ele parece ser feliz, comentei comigo. É, parece mesmo, comentei de volta.
Aqui está ! Seu grau ainda continua irrisório, não há necessidade para usar 24 horas por dia essa coisa, disse ele, me entregando a receita e com meus óculos cuidadosamente amparados na sua mão esquerda. Ele transmitia tanta felicidade que eu já deduzia: os problemas não resolvidos mesmo quando usando os óculos, eram do excesso deles. Foi a minha glória não precisar usar mais aquelas coisas todo o tempo e ter de franzir o nariz para acertá-lo no rosto, ou ver quem estivesse muito perto. Enfim, livre (em parte) ! Eu finalmente havia ficado satisfeita por ter tido uma consulta feliz. Por ter tido um encontro com um médico feliz.

Fiquei pensando depois em como ele se parecia com uma figura daquelas de livros infantis, ou com um desenho animado. Precisava dizer isso a alguém e na última consulta que tive, antes de me mudar novamente, disse ao próprio.
A reação não poderia ser melhor. Ele achou engraçado o modo como eu o via, e toda a delicadeza que procurei colocar junto com o comentário. Riu com gargalhadas, segurando a barriga com seus dedos roliços e seus óculos na outra mão. Eram gargalhadas redondas e felizes.
Fui para casa realizada, porém contida, afinal, teria que achar outro oftalmologista. Começaria outro martírio de sessões amargas e frias ?
A única esperança que tinha, e ainda tenho, é de que pelo menos um dos possíveis profissionais da saúde, assim como meu novo dentista, sejam redondos e felizes.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

(Não) Querer.

O que queres ?
Que te esqueça, faça de mim o que não fui
e que nem poderei ser, pois já não mais tenho o desenho de tuas palavras ?
O que queres de mim ?
De mim tão fraco e com sentimentos escassos,
de mim que agora pensa na vida sem existência.
O que queres ?
Que eu saque forças de lugares inóspitos,
e que nunca os farei meus, pois já não tenho as linhas tuas para seguir ?
O que queres de mim ?
De mim sem coração nem alma,
de mim que não pensa mais senão em ter-te e em completo ser-te.
O que queres, afinal ?
Diz-me ou açoita-me com teus olhos, agora.
O queres de mim ao final ?
Dá-me a perpetuidade ou dou-me ao fracasso.

domingo, 18 de maio de 2008

Pace in Cruce.

Um garoto vagava pelas ruas vazias no fim de um dia cinzento. E para ele, todos os dias eram assim: frios, cinzentos e vazios.
Tinha seus altos e baixos, mas contava mais os baixos que os altos pois era mais fácil a contabilidade.
Se irritava e sofria com seu próprio egocentrismo, mas não sabia como lidar com aquilo. Aquilo que ele chamava de loucura, ou as vezes sanidade, falta de escrúpulos, ou as vezes de consciência. Aquilo que ele mesmo, por vezes não havia conseguido descrever ou sequer suportar dentro de si.
Ele sofria calado por razões próprias. Ninguém compartilhava de suas dores, suas alegrias e ele fazia questão de não ser aparente, nem ao menos visível. O quanto tentaram ajudar àquele garoto...tão frágil e tão forte. Seus dias passavam como se passam carros nas avenidas: gélidos, ignorantes e rápidos.
Ele gostava da delicadeza das flores e dos gestos singelos, mas também gostava da violência com que seus sentimentos e tristezas se anuviavam em seu peito e frente às suas vistas.
Quando ele corria pelos campos, sentia-se livre de qualquer problema, ou qualquer idéia iminente que o pudesse fazer parar e pensar. Pensar era o que menos queria, e as velozes divagações que tinha, o faziam correr mais rápido e esquecer por um momento de que era gente.
Era isso que mais desejava, se livrar de toda a gente a que tinha que ver e não ser rude. Queria ser dono de sua própria gente e humanidade particular. Ser parte daquelas gentes o incomodava e ele corria. Fugindo de seu ser e de sua consciência. Ele queria ser vivo, ser semente e ser levado com o vento. Queria não saber o que era dor, pessoas, frio, vazio, coração ou idéias. Queria não ser mais pessoa. Queria não ser mais gente.
Quando ele parava, já ofegante e quase desfalecendo, tinha vontade de compor, cantar, gritar e ser sublime a si mesmo. Seus músculos fortemente exigidos não o ajudavam a formular idéias e era assim que ele gostava de ficar. Gostava de cansar à sua mente e principalmente ao seu corpo magro e dolorido.
Aquele menino queria ser grande ao mundo, carregá-lo nas costas e tratá-lo a sua maneira. Mas e quanto ao seu desejo em manter-se lacônico e invisível ?
Ah, isso logo se ia quando ele embrenhava-se em suas criações. Tinha sede por gritar àquelas gentes que o fizeram sofrer, criava sem pensar e jogava-as no papel, ao ar e a quem o escutasse.
Criava histórias que não tinham final pois achava aquilo muito prosaico e regrado. Gostava dos textos não terminados e com continuações. Mas e quanto à sua própria história ?
Bom, para essa sim ele preparava um final. Um término que não mais o lembraria daquela vida contraditória, pesada e fria. Um término que findasse toda e qualquer possibilidade de volta.
E voltar era algo que ele não admitia, além de concordar que não adiantaria. Tudo o que havia feito até aquele momento se repetiria, trazendo-o ao mesmo lugar em que se encontrava.
Então, num dia mais frio que o habitual e não tão vazio como sempre era, ele pensou em dar o fim adequado à sua história. Seria a primeira e última que ele terminaria. E assim o fez.
Tomou de si a própria vida e deu ao mundo razões para continuar sem ele. Não contaria mais os dias e nem às paredes sobre seu sofrimento. Não mais desejaria beber da morte. Não mais veria seus despedaços. Não mais daria à tristeza razões para acompanhar-lhe. Continuaria sem o mundo, e o mundo ? Muito bem sem mim, diria.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Clarice.


Cotidiano Sentimental

Ah ! A leve ansiedade que toma meus dias e estômago...
Isso me irrita de um modo doce e implicante. Porém, adoro sentí-la perto e me lembrando de que o destino é feito por nós, e que ainda assim, tudo pode acontecer.
Gosto da ansiedade que leva ao nervosismo quando encontro outros olhos e comprimentos simpáticos, corteses. Da inquietação que me dá ao esperar uma conversa longa, franca e substancial, ou apenas um comentário e um sorriso afável.
Ah ! O nervosismo que toma meu coração e minha mente...
Ele me empurra de maneiras sutis e (talvez) significantes. Contudo, adoro sentí-lo percorrer meu corpo com pequenas "borboletas".
Gosto da bipolaridade que as vezes me cerca e dos comentários acerca disso. A contradição da tristeza e a alegria breve, contida até o momento de transpô-las ao papel (no caso, à tela). É o nervosismo de não saber o que me aguarda, ou o que me causa um desejo incontrolável de escrever sem parar, registrando todo e qualquer sentimento, seja ele bom ou ruim, mas que rende textos e mais textos, folhas e mais folhas de caderno que deveriam ser dedicadas a resumos infindáveis de matérias que nunca mais encostarei os esforços.
Ah ! O cansaço que me invade quando chego em casa e não tenho mais essas experiências vívidas e excitantes. Ali é o reduto de meu repouso. Ali é ondo meu ócio toma formas estrondosas e sequer me deixa abrir os olhos, quando fora do horário. Ali é onde ponho em dia as novidades com quem anda longe de mim, com quem anda perto de mim ou com quem ainda não anda comigo.
Gosto de deitar na cama larga e admirar o teto, me perdendo e querendo não organizar minhas idéias. Sentir meus olhos quererem adentrar a escuridão e se meterem em sonhos confusos, bonitos, tristes ou esperançosos. Gosto de sentir as costas estendidas no colchão e minha cabeça levemente mais alta, deleitando-se naquela maciez inocente do travesseiro. A preguiça que me toma sempre no mesmo horário, geralmente 6 ou 7 horas depois de iniciado esse meu ritual sonolento, é o que me faz esperar mais 5 minutos e continuar a alimentar meu ócio antes que o dia se faça certeiro sobre minha janela.
Ah ! Os dias em que faço isso...6, toda semana. Apenas um dia em que faço diferente. Apenas um dia em que quero de volta tudo isso.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Carinhoso

- Olhe só... modelos de carta de amor ! Existe isso...estou impressionado.
- Ué... não acho que deveria ficar. O que é que não tem padrão, modelo e regra hoje em dia ?
- O amor...
- E como você sabe ? Já teve um ?
- É...bom...não. Mas eu imagino.
- Ah, imagina... e por que nunca o teve ?
- Como é que vou saber ? Vai ver ele anda escasso, ou ninguém quis me dar.
- As vezes você não o quis.
- ( Surpreso, sem reação )
- Diga se é mentira.
- Não, não é. Em muitas fui indiferente e recusei isso. Convenções e conceitos inexplicáveis...
- Bom, não posso falar por mim, afinal, eu amo. ( Suspiros )
- Ama mesmo ? E quem seria o merecedor de todo esse zelo ? ( Sorriso tímido )
- Ah... a melhor pessoa do mundo ! Alguém maduro, com princípios, consciência, atenção, interesse, inteligência...
- Nossa ! Mas é o Príncipe Encantado ! ( Risos )
- Não, isso não existe. Só existem os cavalos brancos. E ele é apenas quem me roubou o coração.
- Não devolveram o meu da última vez, eu acho... ( pensativo )
- Como isso ? ( curiosa )
- Ela me roubou, zombou e não voltou.
- E onde anda essa criminosa ?
- Ah, amando por aí. Gostaria que ela me devolvesse... sinto falta de sentí-lo batendo.
- ( Comovida ) Meu Deus... isso não é coisa que se faça !
- Mas foi feito. E de mim foi feito nada. Desde que a conheci, só sinto meu coração de longe, afinal ela o tem para si... mas sinto-o bater forte quando ela está perto. Fico confuso, pois as vezes parece que ainda o tenho, tão logo não mais o sinto quando ela se vai.
- ( Leva a mão e o rosto ao ombro dele ) Por que ela faria tal coisa justo com alguém como você ?
- ( Dando de ombros ) Não sei. Mas...me diga, e esse dono de seu amor ? Lhe deu o coração assim como você ?
- Sim... mas não o tenho perto de mim. ( Triste, abaixa os olhos )
- Mas, como pode amar alguém que não está perto, junto para compartilhar ?
- Não sei. Mas ele tem a mim e a meu coração...e como tem !
- O que posso fazer para te ajudar ?
- O que eu posso fazer para te ajudar ?
- ( Risos. Um segura a mão do outro )
- Talvez pudesse devolver-me...
- Para quê se já tens o meu ? ( Coloca as mãos juntas sobre o peito dele ) Sente ?
- Sim... finalmente sei o que há ! É ele que bate ao te ver com meu coração !
- É você que se afasta de mim...
- Tive medo.
- Mas agora sabe onde ando.
- Sim, e sabes que estou perto, bem junto.
- E você não perdeu seu coração, tenho cuidado bem dele.
- Agora cuidará de mim ?
- Sim... ( sorriso largo ) Te protegerei. Não se preocupe.
- ( Abraço apertado ) Tenho aula agora...
- Tudo bem. Até logo, vida.
- Vida ( sorrisos )

sábado, 10 de maio de 2008

À/A Espera.

Cor-de-mel. Eram a cor dos olhos daquela garota que fitava a mesma paisagem todas as semanas. Por um dia em cada uma delas, ela tinha o prazer de desfrutar momentos extremamente seus, em que ela podia divagar, refletir e não se prender a convenções.
Era tanta paz e satisfação...chegava a incomodar aquele coração que sacrificava-se em bater, e assim ela tentava se confortar. Tentava sentar-se de outros jeitos, se apoiar em outras minúcias e assistir aquilo atenta. Mas era tudo o que sempre havia procurado e agora, depois de tanto tempo, sem que ela esperasse, se deparava com o brilho de seus próprios olhos e com seu sorriso involuntário a cada minuto em que admirava toda aquela perfeição.
Era a figura ideal, que a tirava do chão, fazia-a flutuar e se perder em seus pensamentos tão relaxados, ao contrário de seu corpo que vezes se contraía pelo frio e o vento cortante em seu rosto lívido. Ela se encolhia buscando calor em suas esperanças e seus próprios braços. Não tinha com quem dividir aquilo, e em se tratando de tal paisagem, ela não o faria mesmo.
Ela se apertava em seu casaco, cruzava suas pernas e ficava parada. Seus olhos seguiam cada detalhe e a cada dia, algo novo a surpreendia, deixando-a mais hipnotizada.
Nada era como aquilo e aqueles momentos particulares. Pareciam infinitos e ela se perderia esquecendo as horas se pudesse ficar por ali, observando atentamente seu novo objeto de admiração. E era diferente de qualquer outro que ela já havia tido...ela o queria para si, queria fazê-lo seu, feliz e de mais ninguém, chegando ao ápice do egoísmo, mas ao mesmo tempo, se metendo em uma relação contraditória com o altruísmo. Não sabia como agir quando aquilo parecia a olhar tão furtivamente quanto ela. Imaginava o que ela sentia ?
Bobagem...aquela paisagem era tão dona de si mesma e imponente ! Já deveria ter tido outros admiradores, e saberia ela se outra pessoa, ao mesmo tempo que ela, também não admirava aquilo ? Ela se angustiava ao pensar que um dia não veria a mais, sentia seu peito palpitar mais forte quando pensava na tristeza que a tomaria quando esse dia chegasse.
Começou a ficar confusa, pois aquela beleza infindável tomava as volutas de seu pensamento e não a deixava mais calma, mas ansiosa pela hora de vê-la novamente, pelo dia da semana em que ela se sentia sublime e importante. Pelo dia em que ela sentia a si mesma, e o conhecimento que detinha sobre seus próprios sentimentos, sobre sua personalidade.
Aquilo tudo a fazia não mais sentir o frio, e a não entender mais as mensagens que recebia.
Havia se apaixonado ! Mas...o que faria com aquele amor ? Não entendia como poderia viver tal situação...
Tentava gritar com a voz rouca para acordar sua alma e não se perder. Tentava esquecer, mas sempre voltava ao mesmo lugar, com os olhos fixos na mesma razão incial de todo seu contentamento. Tinha medo.
Não sabia se era correspondida. Não sabia se tinha o conhecimento necessário para amar, e já não acreditava nessas coisas de amor há muito tempo. Seu coração sacrificava-se, mais uma vez não só para manter-se ativo e quente, mas principalmente para entender todas aquelas artimanhas provindas de seus sentimentos. Que faria ?
Ela não quis se rebelar, mas ainda assim sentia algo a mover e fazê-la acreditar que aquilo não era um mero devaneio. Não poderia ser tão inconsequente a tal ponto.
Ela amava. E o que a fez acreditar, era a razão de seu medo...havia compreendido em parte o que a angustiava. E a angústia se tornou a esperança repentina de que seu amor se revelaria um dia, a qualquer momento, deixando de ser aquela paisagem imóvel, inanimada. Seria sim alguém com quem ela repartiria o peso de suas dúvidas e inquietudes, a leveza de seu amor e a beleza que seus olhos miravam ao observar aquela paisagem.
Que faria ? Não tinha mais medo, então...esperaria.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Luna.

Como se não bastasse ser uma das primeiras vezes que saíamos, era preciso celebrar aquilo, mesmo que de forma involuntária e secreta.
A glória da noite tinha outro nome e que de tão magnífico, não me lembro. As assíduas frequentadoras do bar ganharam doses de graça, cortesias da casa.
- É, não se fazem mais bares como antigamente...
- Você só tem 18 anos !
- Bom...não me diga o que fazer !!
E então, a surpresa da primeira boda de amizade: dois sujeitos ao pé da mesa em "missão de paz"; já puxando as cadeiras e pedindo outra bebida, perguntaram se podiam desfrutar de nossa companhia.
Mas, antes que eu pudesse exercitar minha maravilhosa arte prolixa de desculpas esfarrapadas, ela mandou que se sentassem, igualmente sem graça.
Eu a olhei com os olhos de quem já não pensa racionalmente e que já tem 1/5 do cérebro mais lento que o não-habitual. E olhei os amos de companhia com o olhar tediante e fadigado, como só o meu cansaço sabe causar.
Para evitar qualquer tragédia, típica desta pessoa estabanada, eu não dizia nada. Ria ocasionalmente e somente abria a boca para bocejar, pois afinal, a noite já havia se estendido mais que o esperado.
O indivíduo falava e eu pensava. Pensava sobre os problemas, sobre meus livros, sobre a mesa do lado, o outro lado da rua, minha gastrite em potencial, e sobre a fome e a sede por açúcar que me tomavam. Eu não podia com aquilo...era mais forte que eu, e só mais glorioso seria dormir ali, na mesa.
Dormir aquele sono pesado, que me domava as pálpebras e me bocejava a alma. Aquele sono cansado, inocente, que é só sono e que não pede nem silêncio. Aquele que amortece as ondas sonoras e camufla o silêncio. O cansaço na pura essência, que origina o sono.
- Olha, a gente tem que ir, viu ?
- Ahn ? Ah é, precisamos mesmo.
E fomos.
Ah, a glória da liberdade na noite, na rua e no soluço ! Apesar disso, era um soluço de felicidade, de alegria, que me tomava o estômago e os lábios, pois eu ria, meio sem motivo, mas ainda por motivos insignificantes.
Era bom andar mal e tortamente por aquelas ruas pouco movimentadas, sendo levada pelo braço por ela, afinal...estávamos no final de maio e o inverno começava a arregaçar suas mangas, enquanto nós esticávamos as nossas. E mais do que uma noite ruim e sonolenta, tínhamos agora uma lembrança da primeira boda que fizemos, da segunda (ou terceira) noite que rimos, comentamos, conversamos e fomos amigas. Eu e ela, como irmãs. E de como comemos doces. Eu, é claro, mas ainda doces. Amizades.